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Abadia de Thélème - François Rabelais

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Abadia de Thélème - François Rabelais Empty Abadia de Thélème - François Rabelais

Mensagem  Admin Qui 26 Out 2017, 17:58

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"como em certos conventos deste mundo é costume, se alguma mulher lá entra (quer dizer as recatadas e pudicas), limpar-se o lugar por onde passaram, ordenou-se que, se por acaso ali entrasse algum religioso ou religiosa, se limpassem cuidadosamente todos os lugares por onde tivessem passado."

"pois (como dizia Gargântua) a mais verdadeira perda de tempo que conhecemos era contar horas – que bem vinha daí? – e a maior loucura do mundo era gover­ar-se pelo som de um sino, e não pela ordem do bom senso e entendimento."

"Item, porque tanto homens como mulheres, uma vez entrados no convento e após um ano de noviciado, eram obrigados a permanecer ali perpetuamente a vida inteira, estabeleceu-se que tanto homens como mulheres que fossem recebidos sai­riam quando quisessem, livremente e inteiramente."


"Idem, porque ordinariamente os religiosos faziam três votos a saber: de castidade, pobreza e obediência, ficou determinado que ali se pode honradamente ser casado, e que cada qual fosse rico e vivesse em liberdade."

"O edifício teve a forma hexagonal [(ils. 1 e 2)] de tal maneira que em cada ângulo havia uma grande torre redonda de sessenta passos [aprox. 108m] de diâmetro, e eram todas iguais na largura e no feitio. O rio Loire corria do lado norte. Ao pé dele assentava uma das torres chamada Ártice [do grego Amktikes, isto é, Norte], voltada para oriente havia outra chamada Calear [do grego, Kallós, belo, e aer, ar], e a outra chamava-se Anatólia [Anatole], a outra Mesembrina [Messenbrine], a outra Hespéria [Espeia], e a última Criera [Kryera]."

"Entre cada torre havia um espaço de trezentos e doze passos [aprox. 560 m]. Tudo isso com seis andares, incluindo as caves. O segundo era abobadado em forma de asa de cesto; o resto estava revestido de gesso da Flandres em forma de candeeiro e os fundos do telhado cobertos de ardósia fina, com revestimento de chumbo enfeitado com figuras e animais bem escolhidos e dourados, com as goteiras que avançam para fora da muralha, entre os transeptos pintados em diagonal a ouro e azul, até ao solo, onde terminavam em grandes algerozes que conduziam ao rio por baixo da construção. Este edificio era cem vezes mais magnífico que Bonivet, Chambourg e Chantily, pois nele havia nove mil trezentos e trinta e dois quartos, todos guarnecidos de alcova, gabinete, guarda-roupa, capela, e dando para um grande salão."

"Entre cada torre, no meio do referido edificio, havia uma escada de caracol em cujo corpo os degraus eram parte de pórfiro, parte de pedra numídica, parte de mármore serpentino, com um comprimento de xxij pés [aprox. 7m], e uma espessu­ra de três dedos, sendo em número de doze entre cada patamar. Em cada patamar havia dois bonitos arcos antigos por onde entrava a luz do dia, e dando acesso a um gabinete gradeado da largura da dita escada. E por esta subia até ao telhado, onde terminava num pavilhão. Por esta escada entrava-se dos dois lados numa grande sala, e das salas passava-se aos quartos."

"Entre a torre Ártice e a Criera ficavam as belas e grandes bibliotecas em grego, latim, hebreu, francês, toscano e espanhol, repartidas pelos diversos andares segundo estas línguas."

"Entre a torre Anatólia e a Mesembrina ficavam as bonitas e grandes galerias, todas pintadas com as antigas proezas, histórias e descrições da terra. No meio havia uma subida e a dita porta do lado do rio, na qual estava escrito em grandes letras antigas o que segue":

"Aqui não entreis hipócritas, beatos,

Velhos macacos, falsos, inchados,

Pescoços torcidos, pacóvios, ainda mais que os godos,

Nem ostrogodos precursores dos macacos

Ciliciados, fingidos, beatos de pantufas,

Pedintes enroupados, debochados, achincalhados,

Injuriados, inchados, fazedores de intrigas;

Retirai-vos e ide vender os vossos abusos para longe".

"Vossos abusos maldosos

Encher-me-iam os campos

De maldade;

E por falsidade

Perturbariam os meus cantos

Os vossos abusos maldosos."
____________________________________________________________________________________
"Aqui entrai, vós, damas de alta estirpe!

Com franca coragem entrai felizes,

Flores de beleza com celeste rosto,

De busto direito, e atitude recatada e sensata.

Nesta passagem está a morada da honra.

O alto senhor, que do lugar foi doador

E benfeitor, para vós o ordenou,

E deu muito ouro para pagar as despesas."

"Ouro dado por dádiva

Ordena perdão

A quem o dá,

E muito bem recompensa

Todo o mortal honesto

Ouro dado por dádiva."

"No meio do páteo interior havia uma magnífica fonte de belo alabastro; por cima as três Graças, com cornos da abundância, deitavam água pelas mamas, pela boca, pelos ouvidos, pelos olhos e por outras aberturas do corpo. O inte­rior do edificio sobre o dito páteo estava assente em grossosilares de calcedó­nia e pórfiro com belas artes antigas, e dentro havia belas galerias, compridas e amplas, adornadas de pinturas, dentes de elefante e outras coisas admiráveis. Os alojamentos das damas iam da torre Ártice à porta Mesembrina. Os homens ocupavam o resto. Diante dos ditos alojamentos das damas, entre as duas primeiras torres e no exterior, havia, para elas se recrearem, os recintos destinados aos torneios, o hipódromo, o teatro, os natatórios, com os banhos miríficos de três patamares, bem guarnecidos de todos os enfeites e de grande quantidade de água de mirra."

"Junto do rio ficava o belo jardim de recreio, e no meio dele o belo labirinto. Entre as outras duas torres ficam os jogos da péla e da bola. Do lado da torre Criara ficava o poluía: cheio de todas as árvores de fruto, alinhadas em quicôncio. Ao fundo era o grande parque, repleto de todos os animais selvagens. Entre as terceiras torres ficavam os alvos para o arcabuz, o arco e a arbaleta; as dependências eram fora da torre Hespéria, e só tinham um andar; a estrebaria era depois das dependências e a falcoaria diante delas, sendo governada por criados conhece­dores da arte da altanaria, e anualmente fornecida pelos candienes, venezianos e sármatas dos melhores exemplares de aves: águias, gerifaltes, açores, falcões, gaviões, esmerilhões e outros, tão bem treinados e domesticados que, partindo do castelo para voarem sobre os campos, apanhavam tudo o que encontravam. O canil era um pouco mais longe, na direcção do parque."

"Todas as salas, quartos e gabinetes estavam forrados de diversas maneiras, segundo as estações do ano. Todo o pavimento era coberto de tecido verde. As camas estavam cobertas de bordados. Em cada alcova (arriere chambre) havia um espelho cristalino, emoldurado de ouro fino e em volta guarnecido de péro­las, e tão grande que podia representar a pessoa inteira [o que ao tempo não era possível]37. A saída das salas dos aposentos das damas estavam os perfumistas e cabeleireiros, por cujas mãos passavam os homens quando visitavam as damas. Estes abasteciam todas as manhãs os quartos das damas de água de rosas, água de flores de laranjeira, e água de anjo, e levavam para cada qual um precioso defumador exalando todas as drogas aromáticas."

"No começo da fundação, as damas vestiam-se segundo o seu prazer e arbítrio. Depois foram reformadas de acordo com a sua vontade do modo que segue: Usavam meias de escarlate ou de tecido fino três dedos acima do joelho, debruadas de bordados e recortes. As jarreteiras eram da cor das pulseiras e tapavam os joelhos. Os sapatos, escarpinas e pantufas de veludo carmesim ou violeta eram recortados. Por cima da camisa vestiam um bonito corpete de lã e seda. Por cima deste vestiam uma saia tufada de tafetá branco, vermelho, castanho, cinzento... Segundo as estações, os vestidos eram bordados a ouro e prata, de cetim vermelho coberto de canotilho de ouro, de tafetá branco, azul, preto... Nalguns dias de verão trocavam os vestidos por casacos curtos dos mesmos tecidos ou por casacos sem mangas à mourisca... No Inverno, vestidos de tafetá das mesmas cores, forrados de lobo cerval, gineta preta, marta da Calábria, zibelina e outras peles precio­sas. Os rosários, anéis, correntes e colares eram de finas pedrarias, carbúnculos, rubis, diamantes, safiras, esmeraldas, turquesas, granadas, ágatas, berilos, péro­las e magníficas uniões."

"Os homens vestiam-se à sua moda: meias de estamenha ou de sarja drapeada de escarlate, de tecido fino, branco ou preto, com dobra de veludo destas cores ou muito próximas, bordado e recortado segundo a sua invenção; o gibão de brocado de ouro, de prata, de veludo, cetim, damasco, tafetá, das mesmas cores, recortados, bordados e confeccionados com perfeição; os cordões de seda das mesmas cores; os agrafos, de ouro bem esmaltados; o saio e a samarra de brocado de ouro ou de prata, ou de veludo debruado a gosto; os vestidos tão preciosos como os das damas; os cintos de seda, da cor do gibão; cada um com sua bela espada de punho dourado, bainha de veludo da cor das meias, e a ponta de ouro lavrado; o punhal a mesma coisa; o chapéu de veludo preto, guarnecido de contas e botões de ouro; a pluma branca com palhetas donde pendiam berloques ornados de belos rubis, esmeraldas, etc."

"Mas havia tal simpatia entre os homens e as mulheres que cada dia se vestiam de igual e, para não falharem, havia certos gentis-homens encarregados de lhes dizer todas as manhãs os vestidos que as damas queriam usar nesse dia, pois tudo se fazia segundo o arbítrio das damas."

"E para melhor se confeccionarem os toucados, havia em volta do bosque de Thé­leme um edificio de meia légua de comprimento [2.500 m, o que é uma das enor­midades rabelaiseanas, mas perfiguradora das construções fabris do futuro], claro e bem guarnecido, onde moravam os ourives, lapidários, bordadores, alfaiates, tirador de ouro, fabricantes de veludo, tapeceiros, e ali trabalhavam cada um no seu ofício, e tudo para os ditos religiosos e religiosas. E quem lhes fornecia a matéria e os tecidos era o senhor Nausicleto, o qual todos os anos lhes mandava sete navios das ilhas de Perlas e Canibais, carregados de lingotes de ouro, seda crua, pérolas e pedrarias."

"Toda a sua vida era regida não por leis, estatutos ou regras, mas segundo a sua vontade e franco arbítrio. Levantavam-se da cama quando queriam, bebiam, comiam, trabalhavam, dormiam quando tinham desejo disso; ninguém os obriga­va nem a beber nem a comer, nem a fazer outra coisa qualquer. Assim o estabele­cera Gargântua. Na sua regra só havia esta cláusula:"

"FAZE O QUE QUIZERES" ("FAY CE QUE VOULDRAS").

Abadia de Thélème - François Rabelais Crowle10


Porque pessoas livres, bem nascidas, bem instruídas, conversando com companhias honestas, têm por natureza um instinto e aguilhão que sempre as impele para factos virtuosos e ao retiro do vício, e a isso chamavam eles honra. E quando por vil sujeição e coerção são abatidos e subjugados desviam a nobre afeição, pela qual tendiam francamente para a virtude, para o rompimento desse jugo de servidão; pois nós empreendemos sempre as coisas proibidas e cobiçamos o que nos é negado.

Por essa liberdade entraram em louvável emulação de fazer tudo o que a um só viam agradar. Se algum ou alguma diziam: "Bebamos", todos bebiam; se dizia: "Joguemos", todos jogavam."

E eram tão nobremente instruídos que não havia entre eles um único ou uma única que não soubesse ler, escrever; cantar; tocar instrumentos harmoniosos, falar cinco ou seis línguas, e nelas compor tanto em verso como em prosa. Jamais se viram cavaleiros tão valorosos, tão galantes, tão destros a pé e a cavalo, mais vigorosos, mais mexidos, mais hábeis em todas as armas... jamais se viram damas tão asseadas, tão mimosas, menos aborrecidas, mais doutas de mãos."

"quando algum desta abadia, quer a pedido dos seus pais quer por outras razões, queria sair levava consigo uma das damas, por quem tomara devo­ção, e casavam um com o outro; e se tinham vivido em Thélème em devoção e amizade, ainda melhor continuavam a viver no casamento: amavam-se tanto no fim dos seus dias como no primeiro dia de núpcias."

"Amigos leitores que lerdes este livro,

Despojai-vos de toda a paixão;

E, ao lê-lo, não vos escandalizeis:

Não contém nem mal nem infecção.

É verdade que aqui pouca perfeição

Aprendereis, a não ser para rir;

Outro assunto não pode meu coração eleger,

Vendo o luto que vos desgasta e consome

Melhor é escrever de riso que de lágrimas,

Pois rir é próprio do homem."


"Os belos construtores novos de pedras mortas não estão escritos no meu livro da vida. Só construo pedras vivas; são homens."

Texto Edição: Frater Sutekh

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